terça-feira, 22 de setembro de 2015

O nascimento da Alice

Nunca vou me esquecer da conversa que tive com uma amiga logo após a Luisa nascer, quando ainda morávamos na Philadelphia, naquela pracinha que eu amava, a Ritthenhouse Square.

Comentávamos sobre parto e a opção de tomar ou não anestesia. Mesmo com todas as informações que eu já tinha naquela época, lembro-me muito bem do que eu disse:

Sem anestesia? Para quê?

Nunca julguei ninguém pelas opções, e sempre achei que as mulheres que optavam pelo parto natural, sem anestesia, eram muito "corajosas". Porém, nunca entendi por que não usar este recurso se ele está disponível.

Somente depois de uma mini cirurgia que eu tive de fazer durante a gravidez da minha segunda filha, Alice, que eu comecei a entender o porquê. E a resposta desse porquê não tem nada de excentricidade. Está nelas, na Luisa e na Alice.

O início da história...

Qual a diferença entre parto normal e parto natural? Parto normal é aquele em que o bebê nasce por via vaginal, geralmente com alguma intervenção médica, como por exemplo anestesia, rompimento artificial da bolsa e ocitocina sintética (o famoso "sorinho") para acelerar o trabalho de parto, etc. Parto natural é um parto mais fisiológico no qual o corpo da mulher trabalha naturalmente, sem intervenções externas para o parto, e portanto, sem anestesia.

São tantos mitos que levam as mulheres brasileiras a acreditar que são incapazes de parir que, desde a minha primeira gravidez mergulhei profundamente nesse assunto para me preparar com informação suficiente e me proteger de uma cesárea desnecessária. Caí nas redes sociais, nos blogs de maternidade ativa e li muitos estudos científicos. Em todos os lugares fala-se em como uma intervenção médica pode piorar  a evolução do quadro de um paciente ou, nesse caso, do parto.

Por exemplo, é sabido que a ocitocina sintética aumenta a força das contrações, mas nem sempre aumenta a efetividade delas ou ajuda a dilatar o colo. Que romper a bolsa artificialmente para acelerar o trabalho de parto, ou seja, antes do bebê estar realmente baixo, aumenta o risco de prolapso de cordão umbilical. Que a restrição ao leito por causa de uma anestesia dificulta a descida do bebê e pode retardar a evolução do parto. Que a posição deitada comprime as principais artérias do corpo da mulher e diminui o aporte de oxigênio para o bebê e portanto pode aumentar as chances de sofrimento fetal. E que tudo isso desencadeia uma cascata de intervenções que se retroalimentam: anestesia, restrição ao leito e diminuição das contrações, entra ocitocina, vem contrações mais vigorosas que as fisiológicas, mais chances do bebê cansar, mais ocitocina e rompimento da bolsa para acelerar o processo, e ai seu relógio começa a contar. Depois de 12 horas vem a cesárea (Essa é uma das maneiras pela qual fabricam-se cesáreas aqui no Brasil)

Mesmo assim, eu optei por tomar anestesia na minha primeira gestação. Um dos motivos foi porque eu não estava preparada emocionalmente para lidar com as dores do parto. Outro motivo foi porque eu estava nos EUA, e sabia que lá o trabalho de parto não tem de seguir esse relógio imaginário criado aqui no Brasil, que dura apenas 12 horas. E também porque, muitas vezes, mesmo quando estamos recheados de informação, é muito difícil quebrar paradigmas.

Porém, um dia a ficha cai. E esse dia foi quando, grávida de 22 semanas da minha segunda bebê, Alice, eu fui diagnosticada com um pólipo sangrante no útero. Era preciso remover o pólipo pois ele estava próximo à bolsa e o sangramento, que já durava alguns dias, poderia rompê-la e estimular parto prematuro. Seria um procedimento simples, indolor que poderia ser feito durante exames de rotina em qualquer laboratório, como Delboni, CDB, Fleury, etc.

Eu fui sozinha ao Fleury para exame e retirada do pólipo. Durante o procedimento a médica verificou que o pólipo estava muito vascularizado, com vasos calibrosos, alto risco de hemorragia e possibilidade de entrar em trabalho de parto no momento da retirada. A indicação foi então para que o procedimento fosse realizado no hospital, para dispor de assistência adequada em caso de emergência.

Agendamos o procedimento no hospital para a semana seguinte. Fui para o centro cirúrgico e tomei anestesia raquimedular. O procedimento foi realizado, felizmente, sem nenhuma intercorrência. Porém, no dia seguinte, apareceram cefaleia, dor na lombar, mal-estar e indisposição. Passei uma noite no hospital e fui para casa ainda sem conseguir cuidar adequadamente da Luisa por uns dois dias.

Logo percebi que um procedimento simples, que seria realizado no laboratório, de onde eu voltaria sozinha para casa, transformou-se em um evento complexo do qual eu não consegui sair dirigindo, simplesmente pelo fato de eu ter ido ao centro cirúrgico e ter tomado anestesia, soro e outros medicamentos. Foi uma intervenção necessária, mas que trouxe consequências.

Assim, lembrei-me da Princesa Kate Middleton e seu parto. Ela tumultuou a mídia por ter recebido alta apenas 10 horas após o parto e, ainda por cima, de salto alto (!), simplesmente pelo fato de ter sido assistida por parteiras e sem anestesia. Por ter recebido o mínimo de intervenções possíveis.

Parto domiciliar

Na semana seguinte, eu e o André, meu marido, fomos visitar a maternidade do hospital que tínhamos escolhido para a Alice nascer. Foi uma visita guiada e em grupo. Visitamos a sala de cesarianas, o quarto de parto normal, mas, foi quando paramos por alguns instantes na frente da sala de pré parto, enquanto a moça do Concierge dava algumas explicações, que nós dois trocamos olhares. Já tínhamos entendido um ao outro e, juntos, fizemos um não com a cabeça.

Na primeira oportunidade, cochichamos o que já sabíamos: que não queríamos o nosso parto dentro de um ambiente hostil, invasivo e impessoal como o do hospital. Não estávamos doentes. 

Aos poucos fomos amadurecendo essa idéia, informando-nos sobre riscos e benefícios e curtindo o conforto de ter nossa Alice em casa; mas os dois principais motivos que nos levaram a tomar essa decisão foram: Luisa e Alice.

Para a minha Alice

Ainda naquela visita ao hospital, enquanto caminhávamos pelo berçário, perguntei a uma enfermeira como é o procedimento com os recém-nascidos e uma das minhas perguntas foi em relação ao banho. A resposta que obtive foi que o primeiro banho é dado obrigatoriamente pela equipe de enfermagem, quando levam o bebê para fazer os primeiros testes, e eu não posso recusar. Oi?

Eu tenho vontade de chorar cada vez que vejo um vídeo no Youtube do "primeiro banho do(a) fulano(a)" (que na verdade já é o segundo banho). A mãe do outro lado do vidro do berçário, com um sorriso enorme enquanto seu filho é banhado por mãos frias, desconhecidas e robotizadas. O bebê, em geral, grita desesperadamente com aqueles bracinhos esticados para cima. Medo e desconforto. Que sensação estranha sentir esse vento na pele. Que sensação estranha não ouvir o coração e a voz da minha mãe (lembrando que ele acabou de nascer)!!

Como alguém pode aceitar e achar isso normal? Onde está o direito do bebê em ouvir a voz calmante da mãe ou receber o toque carinhoso dela nesse momento? Na nossa cultura é tão comum mãe e bebê afastados por horas após o nascimento e tantos procedimentos desnecessários, que nós, adultos, nos tornamos inertes e não nos damos ao trabalho de pensar no que os recém-nascidos precisam.

São tantas as intervenções desnecessárias e a violência que praticam contra a mulher na hora do parto, mas para mim, o tratamento dado ao recém nascido é o mais cruel.
 
Afastamento materno, aspiração, vitamina K injetável, manipulação desnecessária, testes invasivos e desconfortáveis, como o teste do pezinho, do olhinho, vacinas, luz ofuscante nos olhos que passaram nove meses no escuro, e outros. Tudo nas primeiras horas de vida. Tudo isso para alguém que ainda nem se recuperou do estresse do nascimento e só queria o colinho da mamãe. E só precisava estar mamando.


"O período imediatamente posterior ao nascimento é a etapa que mais influi na constituição do ser humano. Aquilo que ele encontrar é o que sentirá como natureza da vida."
Laura Gutman


Assim como as experiências pré-natais do feto dentro do útero materno e as experiências durante a primeira infância, as experiências neonatais do recém nascido também moldam as vivências emocionais ao longo da vida. Existem hoje alguns trabalhos que relacionam também o estresse do nascimento e as experiências das primeiras horas de vida com o choro dos bebês durante seus primeiros meses de vida. 

Todos aqueles testes e vacinas são intervenções necessárias e importantes para a saúde, sem dúvidas, porém, baseando-se nas evidências científicas mais recentes, eles não precisam ser feitas necessariamente no primeiro dia de vida. Por isso, optamos por dar um nascimento o mais humanizado possível para a Alice. Optamos para que ela pudesse chegar pelas minhas mãos. E nos meus braços ficar.

Vou abrir parênteses aqui:

Parto humanizado é um mundo à parte. Completamente diferente dos consultórios médicos de convênio e dos cuidados neonatais da grande maioria dos pediatras na hora do nascimento. Parto humanizado não é sinônimo de parto domiciliar e sem anestesia. Parto humanizado é sinônimo de respeito com as decisões da mãe e principalmente respeito por alguém tão frágil, fisicamente e emocionalmente, que acaba de chegar.

Meu primeiro parto foi hospitalar, com anestesia e humanizado. O quarto era um ambiente agradável e a janela tinha uma vista agradabilíssima, de árvores com folhagem vermelha outonal. Por conta da anestesia tive que receber ocitocina sintética e passei as últimas horas restrita ao leito pela impossibilidade de andar. A equipe respeitava nossos pedidos, olhava em nossos olhos e não realizava nenhum procedimento sem nossa autorização; mas o mais importante foi ter recebido minha filha nos braços. Foi ter acolhido a Luisa nas suas primeiras horas de vida. O mais importante, para mim, é saber que ela não recebeu nenhum procedimento dolorido e desnecessário.

Para a minha Luisa

Que tanto esperava a irmãzinha chegar. Que dizia  todos os dias que ia dar beijinho, colinho, banho e levar a Alice para passear. Que precisa ser incluída no mesmo circulo de amor e felicidade para aprender a amar e aceitar sua irmã.

Decidimos então que não sairíamos de casa por dois ou três dias (tempo de internação hospitalar) e, de repente, apareceríamos pela porta da sala com um bebê no colo. Decidimos que a Luisa participaria de tudo. E assim foi. Do crescimento da barriga e consultas pré-natais, ao parto. Um evento familiar. 

Um bebê chegando para acrescentar e não para tirar.

O parto da Alice

Foram menos de 3 minutos de período expulsivo e lá estava ela. Dentro do nosso quarto. Dentro da água quente. E da água, para o meu colo. Eu mesma a peguei. Inacreditável. Ainda busco palavras para descrever esse momento. Dor? Sim, eu senti dor e em algum momento eu quase desisti. Eu estava cansada, afinal foram quase 28 horas de trabalho de parto para ter a dilatação total. 

Entrei em trabalho de parto na quinta-feira à noite, dia 27 de agosto. Passei a madrugada acordada pois as contrações já estavam razoavelmente fortes e não me deixavam dormir. Eu também estava ansiosa. Tínhamos passado o último mês preparando tudo o que era necessário para o parto e não via a hora daquele momento chegar. 

Na sexta-feira pela manhã quando levantamos, apesar de intensas, as contrações estavam ficando mais espaçadas. Mesmo assim o André não foi trabalhar, pois eu já sentia que a Alice estava chegando. Então decidimos passear. Logo cedo eu, ele e a Luisa saímos para caminhar numa tentativa de ajudar as contrações a pegarem ritmo de novo.

Foi uma manhã deliciosa. Quente e ensolarada. Paramos na padaria para tomar café e depois caminhamos até a biblioteca do bairro. Era a última vez que seríamos apenas nós três passeando.




Voltamos para casa e logo depois do almoço a equipe chegou. Preparamos o quarto. Banheira cheia, luz indireta, silêncio e uma sensação de aconchego enorme. Não me lembro exatamente dos tempos em que tudo aconteceu, mas lembro que foi no meio da tarde que as contrações pegaram ritmo novamente. 

Consegui dormir um pouco à tarde com o André e a Luisa. Tínhamos de descansar pois tudo indicava que o processo seria demorado, mas a ansiedade tomava conta de mim. Temia que as contrações se espaçassem novamente. Dormi por mais ou menos meia hora.

Apesar das contrações já estarem doloridas, foi apenas à noite que as dores começaram a me silenciar. Eu já não conseguia mais falar durante as contrações. Precisava fechar os olhos, respirar e me concentrar. 

Mas eu estava em casa e isso muda tudo. Estava à vontade suficientemente para mudar de posição, pedir o que eu precisava, comer e tentar movimentos novos para aliviar as dores. E nos intervalos delas, conversávamos e brincávamos maravilhados com o que estávamos vivenciando.



Na maior parte do tempo, ficamos apenas eu e meu marido no quarto e a nossa doula, Andrea, que me ajudou muito com as massagens e manobras na lombar, exercícios na bola e posicionamentos. De vez em quando a Márcia, nossa enfermeira obstetra, vinha avaliar o coraçãozinho da Alice. Minha mãe ficou pela casa brincando com a Luisa, que às vezes entrava no quarto perguntando pela irmãzinha. Lá pelas 22 horas ela até entrou na banheira comigo. Eu estava encantada com o fato dela, com apenas 1 ano e 9 meses de idade, compreender e lidar com aquela situação de forma tão madura, principalmente com as dores que a mamãe dela estava sentindo.



As últimas três horas de trabalho de parto foram as mais difíceis. Contrações a cada minuto, de perder o fôlego. É a fase de transição, parte mais difícil, não pela dor das contrações em si, mas pelo fato delas estarem tão próximas umas das outras que não há mais intervalo para descansar e recuperar as forças. Nessa hora, as palavras de incentivo da Márcia foram cruciais para me manter em casa. Faltava pouco. Muito pouco.

Eu também contava com o André que ficou ao meu lado o tempo todo e aguentou todos os puxões e apertos que eu dava nele durante as contrações. E para ajudar a controlar o emocional eu tentava manter em mente uma frase que aprendi durante a minha gestação:


A dor existe, mas o sofrimento é opcional. 

Em cada contração eu lembrava de uma analogia que a Andrea fez e que me marcou muito. Um maratonista sente dor, mas ele não está necessariamente sofrendo, Muito pelo contrário, ele está tomado de força interior para atingir um objetivo e conquistar a vitória. Não há prazer maior para ele do que atravessar a linha de chegada.

Às vezes era difícil me concentrar. Lembro que em certo momento eu desejei que as contrações espassassem um pouco para eu descansar, mas logo eu lembrei o quão frustrante foi aquela manhã, quando as contrações quase pararam. Naquela manhã eu chorei ao pensar que a minha Alice poderia não chegar naquele dia. Então eu lembrava que cada contração me deixava mais perto da minha filha. 


Que cada contração era motivo para eu querer outra.

O circulo de fogo? É assim que descrevem a dor da passagem da cabeça do bebê pelo canal vaginal. Nesse momento você já está viajando, anestesiada pelos seus próprios hormônios. Lembro-me que as dores das contrações eram muito maiores que as dores da passagem, que na verdade, não foram dores. Foi a sensação mais incrível e deliciosa que já tive. Indescritível. Inimaginável. Fui privilegiada. Sentir sua filha coroando e nascendo, participando ativamente do processo é transformador. É chegar no ápice da feminilidade. 

A única coisa que eu ouvia naqueles três minutos era a voz chorosa e emocionada do meu marido dizendo "Não acredito, ela está vindo, está nascendo". A emoção nas palavras dele me animava e me enchia de forças para trazê-la logo para nós. 

E assim eu passei a mão em sua cabecinha e a senti pela primeira vez, antes mesmo dela terminar de nascer. Em instantes vi aquele corpinho mergulhado na banheira junto comigo. E foi pelas minhas próprias mãos que a conheci. Eu a peguei e a abracei da melhor forma como eu poderia recebê-la: em êxtase, como se tudo o que eu tinha passado não houvesse acontecido. 




Hoje, mais do que nunca entendo o porquê de tanto movimento e ativismo pelo parto natural. Intervenções médicas devem ser realizadas somente se necessário. Parto não é doença. É vida. Além disso, é um despropósito as mulheres se privarem e serem privadas do prazer de parir.

A Alice nasceu exatamente à meia noite e dezesseis minutos do dia 29 de agosto, no silêncio, no escurinho e rodeada de amor. Grandona, com 3,950 kg e 53 cm. Minutos depois, fomos para a cama, o André cortou o cordão umbilical, que já tinha parado de pulsar, e ficamos curtindo aquele rostinho enquanto eu a amamentava. 



Nossa equipe ficou com a gente até as três da manhã nos ajudando e cuidando de mim e da Alice. Nessa hora a Luisa já tinha ido dormir em outro quarto, então eu, o André e a Alice dormimos naquela cama mesmo. Não há nada mais incrível que o conforto de estarmos, já na primeira noite, em nossa casa. Em nossa cama.

Assim que o sol nasceu e a Luisa acordou ficamos todos naquela cama dando boas-vindas à ela. Éramos nós quatro juntos. E agora seremos para sempre nós quatro.

domingo, 16 de agosto de 2015

Quarto montessoriano

Vocês já ouviram falar em quarto Montessoriano? Qual a diferença do quarto tradicional e de um quarto Montessoriano? 

Preste atenção nas fotos abaixo:


Este é um exemplo de um quarto tradicional. 
 Quartinho dos sonhos de muita mãe. Porém, existe algo neste quarto que foi feito para o bebê? Não. 
E o que tem no campo horizontal de visão dele? Nada.

Agora veja a diferença nas fotos abaixo:



 Estes são exemplos de quartos Montessorianos. Neles, o ambiente é preparado para o bebê e a preocupação com a funcionalidade está acima da estética.

Desde a primeira vez que li algo sobre a filosofia Montessoriana, eu me identifiquei muito com o método pois é muito parecido com a maneira pela qual eu e meu marido já vínhamos criando a Luli. Por exemplo, propiciar um ambiente calmo para ela interagir (sem televisão e com tons de voz baixos), dirigir atenção à atividade que ela esteja buscando, estimular ordem e concentração, permitir que ela explore livremente o ambiente e criar brincadeiras e atividades feitas em casa. 

Mas o método Montessoriano vai muito além disso. Ele envolve também todo o preparo de uma casa para receber uma criança. Quarto, sala, cozinha, banheiro e outros cômodos, devem estar adaptados e adequados para que a criança seja capaz de desenvolver sua autonomia, independência e habilidades que a maioria de nós adultos subestimamos que ela seja capaz de realizar.


E o quarto baseado no método Montessoriano nada mais é que um ambiente preparado para a visão do bebê e da criança e não para o adulto. Cama baixa, espelho disponível, barras para que se levantem sozinhos e andem de forma autônoma pelo quarto, estante de brinquedos acessível, prateleiras para livros próximas ao chão, decoração na altura dos olhos do bebê/criança e acesso às roupas, são exemplos de alguns ítens que compõem um quarto Montessoriano.

Ou seja, aqueles quartinhos de bebês fofíssimos que vemos em revistas e sites de decoração, na verdade são feitos para facilitar, acomodar e agradar o adulto: o berço e o trocador são móveis altos e os quadrinhos e decorações são colocados na altura dos olhos do adulto. Por isso, os quartos tradicionais não são interessantes e muito menos funcionais e estimulantes para o bebê e para a criança.


Já um ambiente dirigido para o bebê/criança e não para o adulto busca o aprendizado pessoal e permite que eles expressem livremente suas características inatas. O resultado é uma criança que se desenvolve espontaneamente por meio de suas próprias experiências e de forma mais criativa.


Quando a Luisa tinha mais ou menos nove meses, foi a primeira vez que ouvi falar em quarto Montessoriano. Li bastante a respeito e logo eu e meu marido começamos a transformar o quarto dela. Na época ela já engatinhava e o primeiro ganho que notamos foi que ela começou a se interessar pelo ambiente novo e sozinha começou a buscar seu quarto para usá-lo. Passou a sair da sala para explorar seu quarto, o que praticamente não acontecia antes.


Desde então vejo muitos benefícios e experiências que minha filha vivencia dentro de seu quarto e que não seria possível se ele fosse um quarto tradicional: maior criatividade e espontaneidade, maior consciência corporal e independência.


Criatividade e espontaneidade


O fato dos brinquedos estarem à disposição dela de forma organizada em uma estante baixa (e não tudo misturado em uma caixa ou cesta), possibilita que ela faça escolhas com o que quer brincar, e ajuda a aprender a tomar decisões. A estante oferece também uma melhor visualização do que está disponível para ela explorar. Assim é possível criar novas atividades usando peças de um brinquedo em outro e criar novos cenários.


Por exemplo, no quarto dela há uma cesta de bolinhas sensoriais de vários tamanhos e um jogo de empilhar cubos também de tamanhos variados. Certa vez ela pegou as bolinhas e colocou uma bolinha dentro de cada cubo de empilhar, que são abertos embaixo. Eu a assisti tentando encontrar as bolinhas que tivessem o tamanho adequado para cada cubo, num jogo de tentativa e erro e aprendizagem espacial.


Consciência corporal


Outro exemplo, e que eu adoro, é o espelho. Acredito que o espelho seja um dos ítens de maior importância dentro do quarto. Para um bebê que está conhecendo e descobrindo seu próprio corpo, o espelho ajuda muito na consciência corporal, no desenvolvimento motor e no interesse pelas suas próprias habilidades recém adquiridas.


A Luisa ama o espelho dela. Quando era menor passava muito tempo brincando com sua própria imagem. Hoje, quando ela troca de roupa, ela corre para se ver no espelho e para tentar vestir uma peça sozinha. Quando começou a aprender a pular, adorava ir lá para ver o que estava fazendo. Até já foi comer na frente do espelho, pela curiosidade de ver o que acontece com os alimentos enquanto come.


Autonomia e independência


A prateleira de brinquedos baixa dá autonomia para a criança buscar o que lhe interessa e trabalha decisões. A cama baixa ou o colchão no chão, também permite autonomia e independência. 


Hoje penso muito no porquê os bebês tem que dormir em um lugar alto e consequentemente cercado de grades para evitar quedas. Por que eles acordam e tem que chorar ou pedir para alguém vir tirá-los de lá? Por que eles precisam vivenc
iar o confinamento? Um colchão no chão, além de ser economicamente mais vantajoso, permite por exemplo que o bebê acorde e vá explorar o ambiente por conta própria ou vá sozinho ao encontro dos adultos em outro ambiente da casa.


Aqui em casa, o colchão no chão tem sido essencial também como meio de comunicação. Há um tempo a Luisa começou a deitar-se sozinha para demostrar que está cansada ou com sono e quando eu falo que é hora de dormir ela corre pra sua caminha e deita.


Desenvolvimento de habilidades.

Nós adultos temos uma inclinação muito grande de superproteger bebês de "perigos" do lar e acabamos por subestimar sua capacidade de manipular as coisas e se auto proteger. Eu, por exemplo, me admirei muito quando Maria Montessori mostrou bebês de nove meses tomando água em um copo de vidro, dizendo que eles são capazes de aprender a controlar seus movimentos para não derramar a água e nem quebrar o copo. Para entender o processo e aprender essa habilidade, eles precisam passar pela experiencia de quebrar um copo e tomar um "banho" de água uma ou outra vez e isso acontecerá não importa se você oferecer o copo com 9 meses, 12, 18 ou 30 meses.

Seguindo essa filosofia, aqui nunca usamos travas para portas e gavetas e a Luisa sempre teve livre acesso para abrir tudo. Com nove meses ela abria as portas e gavetas do armário do seu quarto, explorava, tirava todas as roupas de dentro e depois, ao tentar fechar, por algumas vezes prendeu o dedo. Como era muito novinha ainda, nunca prendeu o dedo com muita força e apenas se assustava. Em pouquíssimo tempo ela aprendeu sozinha o movimento correto para fechar portas e gavetas. Com 11 meses de idade ela já não prendia dedos em portas e gavetas. Hoje, acho até engraçado quando vem uma visita aqui em casa e a Luisa abre uma gaveta ou quer fechar uma porta de um cômodo. As pessoas em geral saem correndo desesperadas atrás dela para fechar para ela.

Esse cuidado e controle de movimento que ela adquiriu para abrir e fechar portas e gavetas se transferiu para outras atividades. Desde então ela manipula objetos de maneira muito controlada e delicada e nunca foi de atirar brinquedos para cima ou para o chão. Também inserimos no seu dia-a-dia copos de vidro e pratos de porcelana. Ela é capaz de andar pela casa com um prato na mão, com uma fruta ou comida sem derramar ou quebrar, pois os únicos dois copos que ela quebrou foram suficientes para ela entender o que é quebrar vidro e perder para sempre um objeto.


O benefício, além do aprendizado motor e experiência sensorial, é ter também uma criança controlada (claro que há outros fatores que influenciam também no controle de movimento dos bebês e a própria personalidade, mas sem dúvida essas experiências tem grande influência). Aqui em casa não há preocupação com os objetos de casa ou com os da casa dos outros quando vamos visitar alguém.

Há muito material disponível na internet sobre quartos montessorianos, com fotos e idéias e com mais explicações sobre a importância e impacto no desenvolvimento dos bebês, para quem quiser seguir.

É possível criar um ambiente montessoriano desde o nascimento dos bebês. Quando começamos a montar o quarto da Luli, ela já estava começando a andar, por isso alguns ítens de quarto montessorianos para bebês, como espelho na horizontal e barras para se apoiar, não chegamos a colocar. 

Abaixo, algumas fotos do quarto da Luli para ajudar a quem quiser montar um quartinho Montessoriano.


Colchão no chão.
Mesinha de artes com giz, canetinha e folhas de papel para ela desenhar








Vou rodiziando e variando as atividades da estante e de uma das cestinhas. A cestinha que tem as bolinhas eu não troco pois ela ama essas bolinhas texturizadas.
Na caixinha de madeira eu coloco objetos simples e aleatórios da casa para ela explorar e tento trocar quase diariamente ou semanalmente (se ela gostou muito eu deixo mais tempo). Uma atividade que fez sucesso foram os rolos de durex coloridos, que ela empilhou, equilibrou, encaixou em outros brinquedos e até abriu os durex e sentiu o grude..




Espaço de leitura ao alcance. Ela já conhece bem seus livrinhos e escolhe qual quer folhear ou traz para mim se quer que eu leia para ela. 



A cestinha ao lado do espelho tinha objetos cotidianos, como escova de dentes, um pente de cabelo, tiaras e um chapéu. Agora que ela tem sua própria pia no banheiro, deixo apenas roupas na cestinha e ela já está acertando o bracinho no buraco da manga e a perna na calça.



Na sacada tem uma plantinha e um regador no chão mas que logo mais vão ganhar um mini banquinho com bordinhas e ralinho para coletar a água!

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Silêncio: crianças brincando.


"Quando damos a uma criança uma caixa de madeira com uma abertura e uma bola, estamos oferecendo não apenas a habilidade de colocar a bola através do buraco, mas também o desafio suficiente para a criança desenvolver sua inteligência através da atenção sustentada."


Adaptado do livro Montessori from the start.


Recentemente tenho publicado algumas fotos no facebook da Luli brincando, ou melhor, realizando alguma atividade domiciliar que eu proponho, concentrada, e muitas mamães e pessoas vem me questionar como eu faço para que ela fique focada em alguma tarefa e ainda exclamam "nossa, meu filho(a) nunca ficou cinco minutos com o mesmo brinquedo. Por isso resolvi escrever aqui o que fazemos que tem dado certo em casa e o que aprendi sobre o brincar dos bebês, apenas observando minha filha.

Vale lembrar primeiro que eu tenho lido muito sobre o método educacional Montessoriano que enfatiza a importância da concentração no desenvolvimento pleno do ser humano. Engana-se quem acredita que este método foi desenvolvido apenas para crianças com necessidades especiais. Quanto mais estudo sobre Maria Montessori, mais impressionada fico ao perceber que tudo, absolutamente tudo o que ela descreve em suas observações e como as crianças constroem sua inteligência, eu vejo na minha filha. 

Maria Montessori diz que a criança é do silêncio. Às vezes, as crianças precisam gritar ou chorar para estravazar as tensões, porém, se ela estiver, por natureza, sentindo-se bem e equilibrada, ela ficará em silêncio, brincará em silêncio, trabalhará e apreciará o silêncio, concentrada. E é apenas por meio da atenção sustentada e repetição da tarefa que as sinapses neurais são construídas e o conhecimento plenamente absorvido. Todas as invenções da humanidade e poder de mudar o mundo vem especificamente da capacidade de concentração e atenção naquilo que se deseja atingir ou conquistar. Concentração é a base para o sucesso humano (Maria Montessori).

Baseando-nos nos métodos Montessorianos, nós adotamos aqui em casa alguns princípios que tem ajudado a Luisa a manter a calma e a concentração, que são:

Não interromper, simplicidade, observação, preparação do ambiente e estímulos adequados.

1) Não interrompa. Na minha opinião, o mais importante é não interferir na atividade que seu filho está desenvolvendo. Nas melhores das intenções, nós adultos costumamos bater palmas quando eles conseguem fazer algo específico, dizemos "êeee parabéns", damos beijinhos e muitas instruções de como é que se manipula um tal objeto. Entretanto, qualquer estímulo que chame a atenção da criança irá quebrar a concentração com aquilo que ela tem em mãos.

Isso vale para todas as idades. Imagine você tentando montar uma planilha de dados no Excel, com uma pessoa de cada lado conversando entre si, ou com alguém lhe dando instruções avançadas de acordo com seu nível de conhecimento do programa e em velocidade maior do que você é capaz de acompanhar. Imagine se alguém de repente liga uma música ou quer conversar com você sobre como foi o final de semana. Qual será o resultado e rendimento do seu trabalho? Quantas vezes sua atenção será desviada? Acontece que existe também uma diferença primordial entre adultos e bebês: quando um bebê é distraído de sua atenção, ele perde o interesse pelo que estava fazendo e raramente retoma a tarefa inicial.

Aqui em casa eu e a Luisa passeamos e brincamos muito juntas. Brincamos de pega-pega, esconde-esconde, cavalinho, de imitação, de faz de conta, onde é ela quem usa a imaginação e direciona o rumo da brincadeira, e muitas outras que inventamos e que envolva apenas nós duas e muitas gargalhadas, abraços, colos e beijinhos. Lemos livrinhos e cantamos juntas. Porém, quando ela pega um jogo de encaixar, de memória, de lógica, ou mesmo um objeto novo e simples como uma caixa ou boneca para apenas explorar o que é, eu  passo a ser apenas espectadora.


"Nunca ajude uma criança em uma tarefa que ela sente que pode realizar sozinha"
Maria Montessori

Nunca, jamais interfira na manipulação e no descobrimento de um objeto se seu filho não solicitar sua ajuda. Nunca, jamais chame atenção de um bebê para algo que está mais distante, se seu filho já está interessado no que já está fazendo. E principalmente, não tire algo de suas mãos para mostrar o que é e demonstrar aquele objeto. Quando eu preparo uma atividade com um novo nível de dificuldade para ela, se necessário, primeiro, eu até mostro qual é a proposta, de maneira muito didática e depois, interfiro apenas se necessário ou se ela solicitar ajuda.

2) Seja simples. Brinquedos muito coloridos e cheios de atividades, principalmente os eletrônicos cheios de luzes e músicas no qual o bebê fica apenas apertando botões e que não traz sentido nenhum à cabeça da criança, não costumam despertar atenção e interesse por muito tempo. A falta de interesse que os bebês têm por aqueles brinquedos tão promissores e legais que vemos nas vitrines são, principalmente, por dois motivos:

O primeiro é porque o bebê não busca o imaginário, ele busca o trabalho real e o sentido das coisas. Ele quer aprender e entender como funciona o mundo real. Quer entender como que uma tampa encaixa, fecha e abre uma caixa. Quer varrer o chão igual a mamãe faz. Quer entender, por exemplo, como os objetos rolam ou deslizam por uma rampa.

Segundo, porque esses brinquedos oferecem muitos estímulos ao mesmo tempo, mais do que a criança é capaz de acompanhar e prejudicam sua concentração. Por isso os brinquedos educativos e os feitos em casa são os que costumam ser melhores, pois neles a dificuldade da tarefa oferecida está isolada. 

Por exemplo, se o objetivo é ensinar um bebê de 9 meses a colocar a bolinha em um buraco, é necessário apenas uma bolinha e uma caixa de madeira com uma abertura redonda. Não é necessário um palhaço junto acendendo luzes, acenando e emitindo sons a cada segundo. O bebê desviará sua atenção e se perderá na proposta que foi oferecida.

Compare as fotos da esquerda de móbiles e mesinhas de atividades tradicionais, luminosos e sonoros, com as fotos da direita que oferecem uma atividade mais dirigida:


     

    

É muito importante não confundir simplicidade com falta de estímulo. Muitos pais tendem a acreditar que, quanto mais, melhor. Porém, a proposta é apenas fornecer uma atividade por vez, uma de encaixar, uma de girar, uma com luzes, uma de formas geométricas, uma de cores, etc, e não tudo ao mesmo tempo, alienando a criança. 

Hoje os pais enchem os bebês e crianças de luzes, sons, Galinha Pintadinha e vários estímulos simultâneos para depois, aos três ou quatro anos de idade, levar ao médico para perguntar como acalmá-los.

3) Observe as brincadeiras e atitudes de seu filho. Observe exatamente que tipo de tarefa ele está buscando e exatamente em que ele está interessado. 

Até aproximadamente 1 ano de idade o bebê busca principalmente exploração sensorial. Manipula objetos, vira, aperta, bate e testa. Entre 12 e 18 meses o bebê busca o trabalho. Busca função para aquele objeto. Ela passa a querer encaixar coisas, abrir caixas, guardar e transferir objetos de lugar. O objeto em si não desperta mais tanta atenção, e sim o que é possível fazer com ele, por isso é muito importante observar que tipo de tarefa a criança está buscando. Isso irá aumentar as chances de interesse pela atividade/brincadeira que você propuser e consequentemente o tempo que a criança passará com ela.

Por exemplo, recentemente a Luisa tem se interessado por cores. Sozinha começou a separar bolinhas da mesma cor da piscina de bolinhas da brinquedoteca de nosso condomínio. Sendo assim, comecei a oferecer atividades para ela separar objetos por cores. Começamos com o vermelho e azul, tudo misturado, para ela separar em duas caixas separadas.


 

Por várias vezes eu tentei dar blocos de empilhar para ela. De pano, de madeira, de papel, quadrados, de vários formas, mas ela nunca se interessou, mesmo que eu fizesse uma vez para demostrar. Porém, um dia, ela simplesmente abriu o armário dela da cozinha de snacks e começou a empilhar as latas de milho, creme de leite, e outras, da prateleira de cima. Observando isso, eu ofereci novamente cubos de empilhar e ela simplesmente adorou e rapidamente começou a empilhar tudo facilmente e com interesse. 



 

4) Prepare o ambiente. Não adianta esperar que seu filho se concentre se o ambiente não é propicio. A televisão deve estar desligada, os adultos devem falar baixo, oferecendo calma e tranquilidade aos bebês. O ambiente deve estar organizado, com poucos brinquedos e atividades. O ideal é evitar cestas com todos os brinquedos dentro e misturados e dispor os brinquedos e as atividades propostas em uma estante na sala e/ou no quarto, para dar senso de ordem e permitir que o bebê escolha com o que quer trabalhar. Rodiziar os brinquedos pode ser uma boa idéia também já que os bebês e crianças tendem a se desinteressar rapidamente por eles.



Aliás. quanto menos brinquedos melhor. O bebê é curioso para descobrir o mundo por natureza, e as coisas da própria casa são suficientes para ensiná-lo e estimulá-lo. Deixe-o descobrir, por exemplo, um interruptor. Maravilhado, ele passará bons momentos acendendo e apagando a luz, repetindo a tarefa. Deixe-o abrir uma torneira. Descascar sozinho uma banana, mesmo que ele leve 10 minutos. Serão 10 minutos de concentração, de treino de motricidade fina e aprendizado real. Junte várias bolinhas de papel e ele irá adorar ficar pisando no pedal da lata de lixo para abri-la e jogar os papéis, um a um.


Quando a Luisa tinha entre sete e oito meses, percebeu que, quando entrávamos em casa, eu apertava aquele botão simpático que fica da parede. Curiosa, começou a esticar o bracinho para tentar tocá-lo. Puxei uma cadeira, sentei e fiquei lá segurando ela em pé enquanto descobria como o botão funcionava. Não era trivial para ela, afinal, tem que apertar na pontinha de cima e depois na pontinha de baixo para que algo aconteça. Por várias vezes pedia para "brincar" com o interruptor. Quando começou a oficialmente engatinhar sozinha pela casa, com exatamente oito meses e três dias, ela passou a parar na porta e apontar o interruptor toda vez que queria entrar em um quarto escuro. Este é um exemplo da diferença entre oferecer um brinquedo com botões luminosos sem nenhum propósito real e permitir que a criança manipule o real.

E enquanto seu filho explora a casa (que deve estar segura o suficiente para deixá-lo solto), você observa no que ele está interessado e oferece os brinquedos e atividades mais adequados. Notamos aqui que, quanto mais atividades com sentido real que permitimos que ela participe da casa, menos interesse para os brinquedos tradicionais a Luisa tem.

 5) Atividade de acordo com a idade. Para mim, encontrar a atividade ideal para a Luisa é o mais difícil pois a atividade/brincadeira proposta para o bebê não pode ser fácil demais a ponto de fazê-lo perder o interesse rapidamente, nem difícil demais a ponto de frustrá-lo. Quando a atividade proposta é mais difícil que sua habilidade motora ou intelectual, a tendência do bebê é se frustrar e jogar tudo no chão. Ela tem que ser ao mesmo tempo interessante, desafiadora e propícia para a idade.

Veja no vídeo, a Luisa encaixando as formas geométricas e separando-as de acordo com as cores. Note que muitas vezes ela coloca em lugar errado, sinal de que a atividade não está facil demais para ela, porém, ela é capaz de raciocinar e corrigir sozinha. 



Os adultos levam uma vida cheia de compromissos, trabalho e stress e ao final do dia ou da semana, buscam o descanso e a distração, que os afastem de seus problemas e os desliguem temporariamente do mundo real. Já as crianças não tem necessidade de descanso do mundo real. Elas tem fome de conhecimento do mundo real, e o brincar organiza esse mundo e todo o conhecimento novo adquirido em suas mentes, por isso, o brincar é tão importante.

Brincar não é passar o tempo. Brincar desenvolve. Brincar ajuda a crescer.

Por fim, deixo aqui um depoimento muito bonito de uma mãe que descobriu ao acaso a importância do silêncio no brincar de seu filho. Vale  pena a leitura:
https://maederna.wordpress.com/2014/02/28/um-pouco-de-silencio/

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Introdução de alimentos para bebês

Digite no Google "introdução de alimentos". Você terá como resposta, em praticamente todos os sites, que a partir do sexto mês o leite materno não é mais suficiente e o bebê precisa de aporte nutricional extra. Será mesmo?

Na consulta do sexto mês da Luisa lá nos EUA, a pediatra nos disse que, a partir daquele momento, ela poderia começar a comer. Porém, ao contrário do que ouvíamos por aí, ela nos informou que o objetivo da alimentação não era por necessidade nutricional, e sim lúdico. Para conhecer sabores e descobrir a comida. A orientação foi para, após a mamada, deixarmos a comida disponível para ela comer apenas se quisesse.

No começo achei estranho, pois eu achava que a Luisa precisava comer. Com muitas dúvidas, pesquisei na internet, pesquisei artigos científicos e conversei com algumas colegas que amamentaram exclusivamente até 10 meses ou mais. Confesso que fiquei feliz em saber que minha pediatra estava certa, pois eu ainda não estava preparada para deixar de exclusivamente amamentar a minha filha.

Logo a Luisa passou a demonstrar interesse pelas nossas comidas, faltando pouco para completar sete meses. Então optamos por oferecer a ela sabores diferentes. Banana, maçã, mamão, cenoura, dentre outras coisas, passaram a fazer parte da brincadeira. Literalmente. Ela amassava, jogava no chão, amassava mais, batia, apertava, passava no cabelo, olhava, mas nada de colocar na boca. Só sentiu o gosto pois dei a ela alguns pedacinhos, mas ela cuspia e logo passou a empurrar minha mão e virar a cabeça. Foram quase três semanas assim, mas o recado estava dado: ela não estava pronta para comer. Muito provavelmente, estava apenas curiosa com o que via e não necessariamente querendo se alimentar.


Foi aí que, lendo mais artigos, descobri que um dos sinais de que o bebê está pronto para comer, que o seu sistema digestivo está maduro o suficiente, é o nascimento dos dentinhos. Esse foi um dos motivos pelo qual eu desisti, pois naquela época os dentes dela não estavam nem ameaçando nascer.


Foi apenas recentemente, com quase nove meses, que os primeiros dentinhos da Luli apareceram. Assim, depois de mais dois meses de amamentação exclusiva, voltamos a oferecer alimentos, mas ela está indo bem devagar. Estou oferecendo alimentação em pedaços. Ela come com a mão apenas alguns pedaços de legumes, frango e em seguida, na mesma "refeição", pedaços de frutas de sobremesa. Nada de suquinhos, ela come a laranja com bagaços e tudo, que é muito mais nutritivo. 




Apesar de meu pediatra daqui de São Paulo concordar que o leite é suficiente e que não comer agora não influenciará em nada seu hábito alimentar no futuro, ele quer que ela coma de qualquer jeito. Na nossa última consulta, ele sugeriu que eu não desse de mamar e a deixasse chorando de fome até comer. Eu perguntei o porquê e ele me respondeu que ela tem que aprender a me obedecer. 


Aprender quem manda na casa? Por que que eu vou travar uma batalha com ela na mesa, para ver qual das duas é mais teimosa, se o meu leite é muito mais completo e nutritivo que qualquer outro alimento, por mais saudável que seja?

Para o bebê, colocar um alimento na boca não significa apenas saciar a fome. Significa a compreensão profunda e total de que ele e a mãe não são uma só pessoa, de que existe um mundo além do peito materno, e que esse mundo também é capaz de alimentá-lo. Exige amadurecimento cognitivo e emocional. Portanto, a introdução alimentar deve ser feita da maneira mais respeitosa e carinhosa possível. 

E o nosso dia-a-dia segue assim: eu vou comendo junto com a Luisa. Os poucos pedacinhos que ela come é porque me vê comendo e me imita. Não sigo a receitinha carimbada do consultório médico que orienta uma refeição salgada diferente da hora da frutinha. Não ofereço alimento antes da mamada. Não forço e nunca vou deixá-la chorando para que coma. Não tenho pressa e não vou abafar minha intuição para satisfazer um padrão que na verdade não existe: nem todos os bebês estão preparados para comer com 6 meses.


A alimentação é complementar e não o leite.

Seguem abaixo trechos do livro do Dr. Carlos Gonzales, pediatra famoso mundialmente pelos seus livros de atenção e cuidados humanizados com o bebê.


"Oferecer significa que, se ele quiser comer, o bebê come, mas se não quiser, não come. Muitas crianças recusam tudo menos o seio até 8 ou 10 meses, muitas vezes mais."

"Alimentos sólidos são oferecidos depois da amamentação, não antes, e certamente não em substituição à amamentação. Somente assim você tem certeza de que seu bebê tomará o leite de que precisa. Acredita-se que entre 6-12 meses o bebê precise de cerca de 500 ml de leite por dia. Claro que isso é uma média, muitos tomam mais e outro ficam bem com menos. Uma criança que toma mamadeira pode facilmente ficar bem com 2 mamadas de 250 ml ao dia. Não é razoável, porém, esperar que um bebê amamentado tome 250 ml a cada 12 horas: os seios da mãe ficariam desconfortavelmente cheios. Faz mais sentido para bebês amamentados tomar 100 ml cinco vezes por dia ou 70 ml sete vezes por dia. Certamente você não sabe (ou não sabia antes de iniciar os sólidos) quanto leite o seu bebê mama: mas se ele é amamentado antes da oferta de sólidos, você fica tranquila sabendo que ele mama o que precisa.


"E se ele não quer comer comida de bebê? Não se preocupe, isso é totalmente normal. Não tente forçá-los. Você talvez tenha sido aconselhada a oferecer sólidos antes do peito, asim ele estará com fome suficiente para comer. Isso não faz o menor sentido, uma vez que o leite materno nutre muito mais que qualquer outro alimento. É por esta razão que usamos o termo "alimentação complementar". Sólidos não são nada mais que um complemento ao leite materno. Se seu bebê mama e depois rejeita frutas, nada acontece: mas se ele aceita fruta e depois não mama, ele sai perdendo. Mais fruta e menos leite é uma receita para perda de peso.

" O mesmo vale para leite artificial. Lembre-se que se você não está amamentando, você precisa dar ao bebê meio litro de leite diariamente até que ele tenha 1 ano de idade"

"A razão principal de oferecer outros alimentos ao bebê com 6 meses (e não depois) é que alguns bebês precisam de ferro extra. Portanto, seria lógico que comidas ricas em ferro fossem introduzidas primeiro. Por uma lado, há carnes com alto teor de ferro orgânico altamente biodisponível. Por outro, há legumes, leguminosas e cereais que contêm ferro inorgânico, mais difícil de ser absorvido a menos que esteja combinado com vitamina C. É por isso que muitos adultos comem a salada primeiro (rica em vitamina C), depois os grãos e legumes, e a sobremesa por último. O que é comumente feito com bebês na Espanha não é uma idéia muito boa, oferecendo a eles somente grãos numa refeição, legumes na outra e fruta na próxima refeição. Quando seu bebê ingere muitos alimentos, é uma boa idéia combiná-los, oferecendo-os numa mesma refeição (não batendo todos juntos no liquidificador, fazendo menus monocromáticos)"

Dr. Carlos Gonzáles coloca também que muitos pediatras orientam a introdução alimentar precocemente, no quarto ou quinto mês, e que alguns bebês podem sim estar preparados antes do sexto mês. Porém, muitos bebês não estão e não tem maturidade motora e cognitiva suficiente para negar nesta idade. Esses bebês crescem acostumados com a papinha e o suquinho porque lhes impuseram, mas uma das maneiras de saber se o bebê está pronto para sólidos é esperar que ele demostre interesse por elas, pegue com suas próprias mãos e se alimente.

Sobre deficiência (ou não) de ferro

A Organização Mundial da Saúde orienta introduzir alimentos para os bebês a partir do sexto mês, já que a partir dessa data, a reserva de ferro do bebê, armazenada durante a gravidez, começa a chegar ao fim, e a única deficiência do leite materno é a de ferro. 

Porém, nem todos os bebês precisam de ferro extra. Além disso, existem algumas maneiras de aumentar o estoque de ferro do recém-nascido. Uma delas é praticar uma alimentação saudável durante toda a gestação. Outra maneira de incrementar o estoque de ferro é realizar clampeamento tardio do cordão umbilical. Hoje sabe-se que cortar o cordão umbilical tardiamente após o nascimento, ou seja, esperar por alguns minutos até que ele pare de pulsar espontaneamente para só então cortá-lo, aumenta o aporte sanguíneo para o bebê em aproximadamente 100 ml, o que vai garantir reserva de ferro para o bebê até os seus 12 primeiros meses de vida.

Tive uma alimentação saudável e balanceada durante toda a gestação. Além disso, a Luisa nasceu de parto normal e por isso não teve seu cordão umbilical cortado às pressas.  Faço acompanhamento regular no pediatra e sabemos que ela não tem anemia. Por isso não me preocupo que ela coma, no total, apenas dois ou três pedacinhos do que ofereço. Nunca chegou a fazer uma refeição inteira e come apenas o quanto lhe interessa. Tem dias que ela não aceita comer nada! Nada! Mesmo assim, ela ganha peso, cresce e se desenvolve psico-motoramente normalmente todo mês. Assim eu sigo respeitando o seu ritmo, e agora estamos completando nove meses e meio de amamentação praticamente exclusiva.

Dicas de leitura

Livro "Meu filho não come", de Carlos Gonzáles. Neste livro ele aconselha e explica: Não obrigue seu filho a comer. Não o obrigue jamais, por nenhum método, sob nenhuma circunstância, por nenhum motivo.

Livro "Maternidade e o encontro com a própria sombra" , de Laura Gutman. Leia o capítulo 3, Lactação e algumas reflexões sobre o desmame.

http://www.babyledweaning.com/ - Site muito legal mostrando que sim, bebês são capazes de comer pedaços com as próprias mãos.

Curso de Introdução Alimentar com abordagem humanizada, baseado nos princípios do Dr. Carlos Conzáles e Laura Gutman: 
http://vilamamifera.com/alimentoecomportamento/category/workshop/